5 PARTICULARIDADES DA ARTISTA E CANTORA ELZA SOARES

Entrevista com a querida cantora Elza Soares realizada durante a oficina “Interpretação do samba” no Conservatório de MPB de Curitiba em maio de 1995. Transcrevi o áudio da nossa conversa gravada em fita um tempo depois e guardei. Hoje quero contar minha experiência em homenagem a ela, por todo o que aprendi com sua arte.

Na época tinha 34 anos, estava no Brasil a nove meses e tinha vindo com intenção de conhecer de perto a musica brasileira em todos seus contextos. Por isso foi a estudar no Conservatório de MPB de Curitiba, na aquele momento dirigido pelo maestro Roberto Gnattali. Em uma cidade fantástica por sua qualidade de vida, cultura e espiritualidade, os três anos que estudei lá foram um dos melhores e mais ricos presentes recebidos durante minha carreira de experiências artístico-musicais.

Não tinha ideia de quem era Elza Soares até que meus colegas músicos me contaram a importância da figura para a música brasileira. Um pouco mística e verdadeiramente universalista foi uma verdadeira embaixadora do samba no mundo. Com uma voz articulada dentro de sua própria experiência, condensava toda sua força e vida de artista em cada palavra e linha melódica.

Entrevista da querida cantora Elza Soares, realizada por mim durante a oficina “Interpretação do samba”, no Conservatório de MPB de Curitiba – Maio de 1995.
Ela no Conservatório de MPB de Curitiba durante a oficina “Interpretação do Samba”, maio de 1995. Foto: Cecilia Battaglia

Foi uma experiência de profunda humildade e de muito aprendizado o conviver musicalmente com ela durante as duas oficinas, bem intensas (no total quinze dias), que culminaram com uma apresentação e um show dela numa boate da cidade.

Me orientando com A Rita, samba de Chico Buarque, que escolhi para trabalhar os conceitos dentro da oficina.

“A revolução piazzolleana”

Elza Soares começou sua carreira artística, cantando tangos e boleros em Buenos Aires durante um ano, nos finais dos anos´50. Contou que conheceu Astor Piazzola entre outros grandes tangueros e músicos e cantou um bom tempo por lá acompanhada ao bandoneon. Sua voz intensa e profunda combinava bem com as letras dramáticas do tango que se encontrava com as nuances jazzísticas do “Novo Tango” de Piazzolla. Um tendência musical multicultural que nos leva até os dias de hoje.

– Cecilia: Quando começou a cantar e como?

– Elza Soares: (Responde em español) Yo empecé a cantar profesionalmente em Buenos Aires em el año 58/59 em el teatro Astral de la calle Corrientes y también em la boite King Klave, donde conhecí a Piazzola. Ele brincava muito comigo por que era pequena muito baixinha.

Fadas [feat. Elza Soares] – Luiz Melodia – Ao vivo convida

O ser artista.

-Cecilia: Como era ser artista naquela época?

– Elza Soares: Era terrível. Era sinônimo de boemia, de prostituição, tudo! Menos beleza, menos seriedade. Mais quem queria ser cantor, quem queria ser artista lutava contra todo isso e era um artista.

-Cecilia: Y agora como vê ao artista de hoje?

Elza Soares: O artista de hoje tem todos os privilégios, toda a mordomia e ninguém proíbe nada a ninguém. Hoje todo o mundo quer ser artista. Mas livre, mas maravilhoso!

FOTO MARCOS HERMES/DIVULGAÇÃO

Inspiração, e Sistemática de Criação

Cecilia: Em que se baseia para escolher seu repertorio?- Elza Soares: Meu repertorio é muito vasto muito longo extenso. Comecei com tangos, boleros… Eu sou muito romântica. E gosto muito de cantar blues, de cantar jazz. Não sei… Sou uma intérprete do mundo.

Cecilia:…O músico deve ser universalista. Elza Soares: Justo!

Cecilia: Quanto tempo dedica a cada música, ao estudo da mesma? Elza Soares: Quando tenho que preparar um show quase não durmo fico ligada. Você vai ao meu quarto e há mais músicas que outras coisas. Eu durmo encima das músicas! Tem vezes que passo dois ou três dias trancada no meu quarto passando músicas e músicas e músicas. Para concentração…

Tragédias e superação.

Foi o grande amor do jogador de futebol Garrincha, com o qual teve histórias de vida muito fortes, dentre perseguições, perdidas e desentendimentos. No final da década de 1960 foram perseguidos pelo DOPS possivelmente por manter uma amizade com Juselino Kubitschek, e com a intenção de participar junto a outros artistas de uma gravação apoiando a Joao Goulart para presidente. Após diversas situações trágicas de vida, entre elas a perda de seu filho de oito anos em um acidente de carro decide passar um tempo fora, em Europa e E.U.A. para se tratar da depressão e se reencontrar como cantora.

A gente não ensina, a gente aprende junto.

  • Cecilia: Está voltando ao Brasil para continuar a cantar ou também para dedicar-te a ensinar?
  • Elza Soares: Nunca fiz outra coisa a não ser cantar e não sei viver sem cantar. Eu fiquei algum tempo fora do país porque perdi um filho, não suportei e foi embora. “Meu garrincha” tinha oito anos. Fui para América, para Europa, mais agora estou retornando ao Brasil porque tenho uma missão para ser aqui.
  • Cecilia: Como te estás sentindo nesta ocasião especial, estar dando este curso, estar transmitindo teus conhecimentos artísticos.
  • Elza Soares: Eu acho maravilhoso passar isto aqui ensinando. A gente não ensina, a gente aprende junto não? Eu acho que é uma energia que a gente passa e recebe. E uma troca de energia que está passando. Eu estou sentindo uma energia muito positiva e muito boa.

Com uma energia característica única, sempre renovada, talentosa e o mais importante: autentica, Elza Soares continua a ser um ícone do canto da cultura brasileira que já está impresso na memória cultural do mundo.

Elza Soares – Mulher do Fim do Mundo (Clipe Oficial)
Elza Soares – Maria da Vila Matilde – (CD A mulher do fim do mundo)
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